Lei de Murphy

 Ela saíra como todas as manhãs: chaves do carro nas mãos, fone de ouvido tocando Beatles no último volume, olheiras proeminentes - marcas das poucas horas de sono que lhe eram reservadas.
Saiu sem pressa, e logo na primeira avenida encontrou o sinal fechado. Como ainda faltava um tempo razoável para seu primeiro horário na faculdade, não deu muita importância a isso. Mas, no segundo semáforo a situação se repetiu. E o mesmo aconteceu com o segundo, o terceiro, o quarto.. Para ela, eles eram sincrônicos. Se ao sair, encontrasse o primeiro aberto, assim seria até o seu destino. Ela pensava nisso, e em como era implacável esse destino, em que coisas ruins só atraiam mais coisas ruins. Como se a vida seguisse uma ordem lógica e injusta. De forma análoga ao sinal vermelho, assim estava sua vida: desempregada, recém saída de um noivado de dois anos e prestes a repetir o último período da faculdade.
Ela ultrapassou alguns sinais vermelhos para reverter a situação, mas lá estava ela: a luz vermelha que tanto lhe perseguia.
Com isso, ela resolveu fazer o impensável: mudar o percurso há uma quadra de seu destino. Ela pensava que passando por outro semáforo, ela reverteria essa ''maré de azar''.
Andou na contramão, subiu no passeio, quase atropelou um ciclista - infrações que lhe renderiam alguns pontos a menos na carteira. No entanto, para ela, isso era insignificante quando o que estava supostamente em jogo era o seu destino.
Ao chegar ao semáforo, mais uma vez ele ficou vermelho. Num ímpeto de raiva ela gritou. Fez isso quase que inconscientemente, um desabafo às suas últimas e constantes derrotas.
Ao olhar para o lado, percebeu que não estava só: um observador atento, num corsa preto, ria da cena pitoresca. Ela demonstraria a ele toda a sua ira, se o dono do corsa não fosse dono também de um par de olhos azuis e de um sorriso radiante. O sinal abriu, ele parou de rir e  piscou para ela.
Ela pensava que era o fim de sua ''maré de azar'', ou talvez antes, ela estivesse observando apenas uma face da moeda..